Sobre o luto
- Bianca Módolo
- 21 de nov. de 2017
- 5 min de leitura
Luto é um processo pelo qual todo indivíduo passa na vida. Desde o infantil, mesmo que não se dê conta de maneira consciente, é necessário se adaptar a mudanças que ocorrem com o corpo, por exemplo. Há algo que está para além do desejo, o corpo vai se modificar ao longo do tempo, pois o sujeito cresce, se desenvolve e envelhece. Esta realidade insere a mente na genuína necessidade de se haver com a questão do luto. Ela é apresentada independente de seu interesse e aceitação.
O luto é aquilo que existe entre a vida e a morte. “A ideia de luto não se limita apenas a morte, mas ao enfrentamento das sucessivas perdas reais e simbólicas durante o desenvolvimento humano.” (O conceito psicanalítico do luto: uma perspectiva a partir de Freud e Klein, 2013).
Mesmo que o sujeito não passe por grandes mudanças na vida: alguém que nunca tenha mudado de casa, de escola, de cidade, que tenha convivido a vida toda com o mesmo núcleo social, etc, ainda assim, existem momentos e situações em que será convidado a se dar conta de que as perdas e transformações existem.
Os vínculos, interesses, relacionamentos e ligações sociais são parte inerente do convívio em sociedade, próprio do ser humano. Em detrimento da dinâmica da vida, muitas vezes esses laços acabam sendo desfeitos, restando a necessidade de trabalhar emocionalmente com estas situações.
Segundo Freud (1915), o luto é um processo lento, caracterizado por uma tristeza profunda, afastamento de atividades que não estejam ligadas a pensamentos sobre o objeto perdido e incapacidade de substituição do
objeto de amor.
Ocorre, que muitas vezes se torna insuportavelmente doloroso e sofrido a perda de um objeto de amor, o que difere uma situação para outra, é a forma com que se relaciona com estes acontecimentos próprios da vida.

Podemos considerar alguns conceitos teóricos para olharmos mais detidamente ao sofrimento advindo do luto. Saliento por exemplo a questão da tolerância à frustração, que se apresenta de maneira tão importante como recurso psíquico no trato às adversidades. Um sujeito com a tolerância à frustração mais expandida tem a possibilidade um pouco maior de conter emocionalmente os atravessamentos e dores da alma. Sim ele sofre, no entanto, sua vida não necessariamente paralisa em detrimento de um processo de luto.
Já o sujeito com baixa tolerância à frustração, pode padecer de dificuldades na administração emotiva de situações corriqueiras, como por exemplo a demora na fila da farmácia, (ele entende que deveria ser atendido prontamente, sem demora), sem considerar o contexto real que o cerca. Como fica oneroso emocionalmente para uma pessoa com estas possibilidades, conduzir mazelas de maior magnitude na amplidão da vida, como a morte.
Outra conceituação teórica de importância para compreendermos o processo de luto, diz respeito às relações objetais realizadas pelo sujeito ao longo de seu desenvolvimento psicossexual. Relevante considerar como foi a relação com o primeiro objeto de desejo deste indivíduo enquanto bebe – o seio materno.
Neste sentido, Melanie Klein para a nossa melhor compreensão cunha o conceito “seio bom, seio mau”. Tal entendimento, possibilita que se perceba o sujeito na sua forma de funcionamento psíquico. Atenta-se se há ou não distinção entre seio mau e seio bom, se esta distinção é realizada em excesso ou se há uma tendência a síntese de ambos. Tal saber, favorece a compreensão sobre as possibilidades do indivíduo para lidar com a vida em toda sua complexidade. A partir desta absorção um pouco mais complexa do indivíduo, podemos entender sobre como poderá ser possível a elaboração de um processo de luto.
Não poderia deixar de considerar também o conceito de “mãe morta” (GREEN), que em 1993 nos apresentou esta ideia para explanar sobre a falta de interesse da figura materna em relação à criança, que se traduz, mais tarde, na sensação de perda de sentido, apatia e identificação inconsciente com o luto. Desta forma, devido ao pouco investimento narcísico no bebê, por parte da mãe, este indivíduo se desenvolve com uma precária malha psíquica, e consequentemente suas possibilidades de elaborações também ficam instáveis, dificultando em especial um processo de elaboração de ludo de uma maneira mais saudável, uma vez que este sujeito já vive de uma maneira mais ampla a presença deste pesar.
Em outro sentido, se este indivíduo enlutado tiver tido uma “mãe suficientemente boa” (WINNICOTT), a experiência criativa para a superação da dor deste luto, torna-se algo de mais fácil acesso. Caso esta não seja a realidade, precisaremos antecipadamente trabalhar questões nas falhas do mundo interno do sujeito, possibilitando que ele tenha mais recursos e continência para então poder gerir suas dores emocionais como a morte de entes queridos.
Tais questões, nos auxiliam a compreender sobre o processo de elaboração do luto, para que dessa forma se possa estar com este indivíduo objetivando amparar aquele que sofre a perda, assim como trabalhar para o fortalecimento e sustento emocional do enlutado.

Diante do exposto, considero a importância da oferta de atendimentos psicológicos em contextos onde a ocorrência da morte é presente. Pode-se citar por exemplo, hospitais gerais, instituições psiquiátricas, UTI´s, centros de hemodiálise, oncologia, entre outras especialidades médicas. Também saliento um olhar para os cuidados veterinários, onde frequentemente o afeto e carinho do tutor pelo animal de estimação sofre grande abalo diante de algum adoecimento do bichano.
Considerando que o grave adoecimento de um animal de estimação ou seu óbito, pode ser o despertar para a presença de sofrimento psíquico do proprietário, sendo necessária a elaboração do luto. Entendo ser de grande valia o atendimento psicológico também neste contexto. Aproveito para evidenciar a possibilidade do “Módulo Consultório de Psicologia”, realizar este tipo de atendimento em parceria com algumas clínicas ou hospitais veterinários, entre elas a clínica veterinária, Vila dos Bichos, em Itapetininga.
O objetivo inicial, é realizar o acolhimento do proprietário que sofre em detrimento do grave adoecimento ou óbito de seu animal de estimação, favorecendo o estabelecimento do vínculo daquele indivíduo dolorido pela preocupação com seu pet e o psicólogo. Este contato entre proprietário do animal e o psicólogo, pode vir a se desdobrar em um outro tipo de relação entre ambos, como por exemplo o surgimento de uma dupla terapêutica, a partir do que poderá ser possível a realização de uma análise.
Numa tentativa de enriquecer um pouquinho mais este breve texto, que não pretende em absoluto encerrar este tema tão amplo, incluo um pequeno vídeo que talvez auxilie na reflexão deste assunto tão importante, do Café Filosófico, com a filósofa, Olgária Matos, o médico e poeta, Antonio Mourão Cavalcante, Eduardo Batalha Viveiros de Castro, antropólogo e professor do Museu Nacional da UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Ivan Capelatto, psicólogo e psicoterapeuta, Daniel Lins, filósofo e José Miguel Wisnik, músico e professor de Literatura Brasileira na USP - Universidade de São Paulo.



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